segunda-feira, 27 de julho de 2009

o orgulho.

eram 2:30 da madrugada e joanísio estava sentado em um ponto de ônibus de uma das principais avenidas da cidade. estava sozinho no ponto, e nas ruas só ouvia-se o barulho grave e constante do vento soprando os ouvidos. fazia frio, os machucados estavam expostos e dolorídos e a barriga reclamava de fome. estava desempregado desde que fora finalizada a construção da nova ponte da cidade, e vivia agora da renda de sua esposa que trabalhava como empregada doméstica nas residências nobres da cidade e do pouco dinheiro que seu filho ganhava como entregador de compras pelo armazem do bairro. joanísio estava andando pelas ruas desde às 21horas, horário em que foi expulso de casa: marta, sua esposa, chegou da igreja e o cobrou por não ter conseguido emprego novamente. joanísio, como de costume bateu nela, e, jones, seu filho interviu. após uma briga violenta entre pai e filho, joanísio foi expulso de casa e ameaçado de morte caso voltasse a aparecer. a violência sobre marta era uma prática que se repetia sempre, assim como a intervenção de seu filho. dessa vez, portanto, jonas estava disposto a matar seu próprio pai e deixou isso bem claro quando deu o último chute na barriga com os olhos vermelhos e o corpo todo arrepiado de raiva.
já passavam das 3 e joanísio não tinha para onde ir, estava com fome, frio e com o coração vazio de sentimentos. não sabia o que sentir. poderia sentir raiva do filho e da esposa, mas também sentia saudades de sua cama, dos carinhos de marta, da televisão pequena na sala e dos jogos de futebol que assistia com jones, torcedor do fluminense desde que nasceu e ganhou do pai uma roupinha do clube. o vento batia cada vez mais forte e joanísio abraçava os joelhos e continuava lembrando do feijão bem temperado que marta servia religiosamente no almoço e no jantar. remoia pensamentos, mas ao mesmo tempo não sentia nada. queria se arrepender, mas seu coração sempre foi muito orgulhoso. queria sentir raiva, mas era um sentimento que o machucava também. quando batia em marta não era por raiva dela, e sim raiva da vida, do mundo, de si mesmo. nem mesmo ele sabia explicar o porquê; mas sabia que a amava e que, agora, mais do que nunca, queria ela como sua esposa pelo resto de sua vida. talvez a quisesse muito agora por saber que não a tem mais. talvez se voltasse para o lar tudo voltaria a ser como antes: brigas, televisão, igreja, cobranças etc. talvez não.
os primeiros ônibus começavam a passar e jogavam o vento com mais força para cima de joanísio cheio de feridas internas e externas. com dores no corpo e no coração. com amor, saudade, dúvidas e orgulho. com vontade e sem coragem. com fome. estava jurado de morte, mas poderia jurar por deus que arrumaria um emprego e que nunca mais bateria em marta, desde que não precisasse admitir seu erro diante de seu ego e de seu filho.
com o corpo já anestesiado no auge da dor e dor frio, joanísio deitou-se atrás do ponto de ônibus onde o vento era mais fraco, colocou os braços para dentro da camisa e dormiu o pior sono de sua vida. de manhã cedo quando o ponto começava a ficar movimentado e o sol já esquentava, joanísio acordou assustado, levantou-se e caminhou para casa com a certeza de que todo o acontecido do dia anterior havia sido abafado por uma noite de sono. acordou com o orgulho renovado, com a convicção de que era o homem da casa e que apanhar para um filho e ser cobrado por uma esposa eram atitudes absurdas. acordou disposto a chegar em casa como se nada tivesse acontecido, como se as feridas de marta não estivessem mais doloridas, como se os olhos de jones estivessem serenos como de costume. acordou com a sensação de que tudo fora coisa de momento. estava com fome e andava para casa pensando no cheiro do almoço de marta. estava cansado e andava com passos firmes pensando na cama quente.
joanísio chegou em casa e gritou: 'marta .. abre o portão que esqueci minha chave'. por conta do horário, a rua ainda estava silenciosa. joanísio gritou novamente: 'marta!'. o silêncio o fazia sentir medo agora. começava a pensar novamente na possibilidade de estar errado. começava a repensar sua culpa, e na ameaça de morte feita pelo filho. nessa hora ouviu os dois giros da chave que abria a porta. jones saiu com um 38 na mão e deu 3 tiros determinados do peito do pai que caiu na calçada sangrando sem mais chances de se arrepender. marta estava olhando da janela e chorava. e continuou chorando por algumas semanas, até que as feridas cicatrizaram.

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