segunda-feira, 26 de abril de 2010

coisas insignificantes.

em um dia comum de trânsito e comércio, ia andando pela sarjeta concentrado em não pisar nas linhas divisórias do chão de paralelepípedos. de um momento inesperado uma folha de árvore se desprendeu e aterrissou nas páginas esportivas do jornal do senhor atrás do balcão do jogo do bicho. esse, quase sem perceber, balançou o jornal e fez a folha cair sobre uma fileira organizada de formigas, que logo estavam desnorteadas e sem saber a quem seguir. mas logo em seguida um par de sapatos passou correndo apressado e fez o vácuo necessário para fazer a folha levantar um vôo breve e suficiente para aliviar um pouco a tensão das formigas, a princípio, azaradas. mais um pouco a frente, um dos sapatos distraídos e apressados tropeçou em um paralelepípedo sobresaliente e esbarrou os ombros em uma senhora ofegante gorda que tinha as mão cheias de sacolas de supermercado. as sacolas da mão esquerda (machucada após um tombo na escada de acesso ao quintal de casa), deixou os vidros de suco de caju espatifarem no chão. logo, o metro quadrado de paralelepípedos ao redor do acidente estava adocicado e cheirando a caju. com o barulho, o bicheiro se assustou e curioso levantou a cabeça do jornal tentando localizar a direção do barulho de vidro quebrando; algumas pessoas do comércio ao redor olharam também e viram o rapaz pedir desculpas à senhora gorda que não parecia satisfeita. mas sem estarem a par do acontecido, dezenas de pessoas passavam distraídas deixando pegadas adocicadas de suco de caju pelo quarteirão inteiro. ao anoitecer as formigas festejaram.

terça-feira, 13 de abril de 2010

por nada

por aqui as coisas acontecem certas, iguais e lentas. certas, iguais, lentas e estáveis, o que é ainda mais desesperador. por aqui as pessoas estão cada vez mais limpas e mais sérias. as ruas e as paredes mais civilizadas, mais simétricas, monocromáticas e tristes. mas o estranho é que, ao mesmo tempo , tudo é muito ameaçador. mas não é uma ameaça voraz, sanguinária, caótica (sim, existe essa também, mas essa é muito mais branda, posso garantir - essa sai no jornal, poucos sabem e todos esquecem). por aqui, a ameaça é fria, calma, matematicamente certeira. a ameaça aqui não é vermelha, não é nas sarjetas, não é na dor, não é na fome, não é na arte, não é na explosão, isso tudo já é óbvio demais pra ser ameaçador. a ameaça, por aqui, não tem cor, não tem cheiro, não tem nada. a ameaça aqui, - essa mesmo, que segura nosso passo e faz ele ser lento, triste e fraco ; essa mesmo que todo mundo conhece muito bem e não esquece em nenhum momento - não tem forma, não tem nome, não tem... não tem nada. e é disso que eu tenho medo: do nada.

terça-feira, 6 de abril de 2010

a lei do contrário.

todo o contrário daqui a pouco é lei
o oposto de tudo que pensou
o oposto de tudo que imagina
e tanta coisa que não era imaginada
de repente se torna vida, imaginação e regra
e repentinamente se torna tudo que nos resta
e todo o contrário daqui a pouco é lei.