terça-feira, 28 de julho de 2009

liberdade é contraste.

antes de começar a ler, imagine-se com muita sede. uma sede árida e desesperadora. uma sede salgada e doce. imaginou? agora imagine-se bebendo um copo grande de água na temperatura que você considera perfeita. agora imagine-se bebendo vários copos desses um atrás do outro até quase se afogar. agora imagine-se sem vontade alguma de beber nada. agora imagine a sede novamente. agora imagine o infinito.


era um dia ensolarado e agitado. telma, trabalhava em uma loja de calçados populares e estava no café em frente a loja aproveitando seus 30 minutos de folga depois do almoço. faltavam dois dias pro seu aniversário de 25 anos que cairia na segunda quinta-feira do mês de julho. há uma semana atrás ela havia terminado um noivado de quatro meses com otaviano, dono de um bar movimentado do bairro em que morava. telma era uma mulher agitada e faladeira. adorava samba e cerveja. vivia no bar de otaviano e adorava as cortesias e os olhares dele. até que com o passar do tempo as coisas aconteceram como o previsto. telma, porém, depois de compromissada não modificou muito seus hábitos boêmios. continuava indo ao bar, ao samba. continuava bebendo e rebolando para todos que batiam um pandeiro bem batido. foi quando otaviano começou a sentir-se por demais enciumado e pediu telma em casamento. colocou no dedo dela uma aliança grande e dourada. ele esperava com isso afastar um pouco os olhares masculinos da energia libidinosa que telma exalava. telma não era bonita e nem tinha um corpo perfeito, mas tinha um olhar de canto de olho que acelerava qualquer samba. a aliança não adiantou muito. os amigos mais íntimos de otaviano até se afastaram um pouco e começaram a frequentar mais o bar da outra esquina. mas, no geral, o samba continuava quente e telma sempre cercada de batuques e olhares. otaviano cobrava e brigava com telma quase todos os dias. sem aceitar tais comportamentos do noivo, telma, depois de quatro meses, terminou o relacionamento. otaviano ainda era apaixonado e sabia que telma, provocante como era, não demoraria a arrumar um substituto. e, pior, o local do samba ainda continuava sendo sob o teto do seu estabelecimento. agora, otaviano além de continuar servindo cerveja, cachaça e tira-gosto para os homens que azaravam telma, não podia dizer nada, pois o dedo de telma estava vago.

o horário da folga acabou e telma saiu do café em direção à loja de calçados. ao atravessar a rua foi surpreendida com um puxão por trás. uma mão forte agarrava seu braço. era otaviano com os olhos vermelhos e molhados de lágrima. disse com a voz trêmula e com um hálito forte de cachaça: 'telma, eu ainda te amo'; e desabou em mais lágrimas. estava bebado e não conseguia se controlar. ela não esperava essa atitude no meio da tarde, mesmo sabendo do amor que otaviano ainda sentia. ela não sentia mais nada por ele. na verdade nunca sentiu nada tão forte. gostava mesmo era do conforto de ter o dono do bar como seu noivo. telma então disse: 'você está bêbado, quando curar a ressaca a gente converssa igual gente' (disse isso pois sabia que otaviano nunca diria aquilo sóbrio). virou as costas e, sem olhar para trás, entrou na loja de calçados. em seguida dois amigos de otaviano o pegaram pelo braço e o levaram de volta para o bar. dois dias se passaram e telma comemorou seu aniversário no samba do bar de otaviano. ela gostava de ver ele abaixando os olhos quando ela sambava perto de outro homem. ela gostava de provocar ciúmes e ter certeza de que era amada. otaviano se remoia internamente atrás do balcão. sentia seu coração doer. pra não demonstrar seus sentimentos, deu uma grade de cerveja para telma como presente de aniversário. o samba nesse dia durou a noite toda e telma foi embora de mãos dadas com o cara do pandeiro. otaviano fechou o bar às 6 da manhã e foi dormir. sonhou a noite toda com ela. primeiro sonhou que faziam amor; depois sonhou que ela fazia amor com três homens diferentes; depois sonhou que ela beijava o homem do pandeiro, depois sonhou com ela nua sentada em seu bar bebendo cerveja e mandando beijos. acordou com a mesma sensação de ciúmes de antes. eram 11 horas da manhã e otaviano não sentia fome. pegou uma cerveja na geladeira e bebeu sozinho no sofá de casa. levantou-se e saiu em direção ao bar. levantou o portão de ferro, e, enquanto ele passava um pano molhado no balcão uma mulher bonita e bem vestida, com a maquiagem borrada de quem parecia ter chorado, sentou numa das cadeiras altas que ficavam em frente ao balcão e pediu uma cerveja. otaviano escolheu a mais gelada e disse que era cortesia. nessa mesma hora telma passava em frente ao bar para ir almoçar no restaurante que ficava naquela mesma rua. como de costume olhou para o bar, e viu a moça de vestido azul marinho de costas, sentada conversando com otaviano que pegava um copo e sorria brindando com a moça. telma parou e olhou melhor, mas logo continuou andando para não deixar que otaviano a visse e percebesse sua expressão curiosa. não era só curiosidade. telma sentiu um frio na barriga e perdeu todo o apetite. continuou andando pensativa em direção ao restaurante, especulando possiveis diálogos para a cena do bar. chegou no restaurante e sentou-se. continuava pensativa e sem fome. agora sentia-se sozinha e cada vez mais ameaçada pelas próprias especulações. imaginava a moça de vestido azul recebendo as cortesias e os olhares de otaviano. surpreendia-se agora com seu próprio ciúme. queria otaviano de volta. levantou-se e saiu do restaurante em direção ao bar. nem sabia o que diria, mas estava determinada a ter toda a atenção de otaviano de volta. para sua surpresa a porta do bar estava fechada. otaviano nunca fechava na hora do almoço, principalmente numa sexta-feira. telma então caminhou com passos largos até a casa dele que também estava trancada. bateu na porta, mas não havia ninguem em casa. sentia-se agoniada e queria saber de qualquer forma onde ele estava. imaginada mil coisas, afinal, quando ela o viu, ele estava acompanhado de uma mulher aparentemente bonita, e, pior, estava feliz. sabia que por conta do término do noivado, ele estava fragilizado e carente. telma estava inquieta e se contorcia de ciumes. ficou andando de um lado para o outro na frente do portão da casa de otaviano até às 13. quando acabou seu horário de almoço, voltou para loja sem ter almoçado e com a cabeça a mil. ao final da tarde, saiu uma hora mais cedo da loja e correu ansiosa para o bar. quando chegou, o samba já estava animado. o cara do padeiro estava lá, como sempre. ele sorriu e se aproximou dela batendo o pandeiro com força. telma olhou para dentro do bar e a mulher de vestido azul estava sentada no balcão tomando uma cerveja e conversando com otaviano, que, ao mesmo tempo que servia as mesas e as pessoas, conversava animadamente com a mulher. o samba nessa noite não foi bom. telma estava quieta. ficou sentada e sem conversar muito. bebeu pouco e não comeu nada. otaviano, em um determinado momento, olhou para ela e percebeu os olhos abaixando. sentiu que telma não era tão segura assim. percebeu seu olhar ciumento e seu desânimo. essa cena se repetiu algumas vezes, até que otaviano pediu licença a moça de vestido azul, saiu de trás do balcão com os olhos fixos em telma, pegou-a pelo braço e deu nela o beijo mais apaixonado que pode. beijaram-se com os corações disparados e certos de que se amariam para sempre. ao final do beijo, otaviano deu a chave do bar para seu melhor amigo (que olhava com cara de desaprovação a cena de amor) e arrastou telma para sua casa. se amaram como loucos durante 2 meses inteiros - com samba, sem ciumes e sem cobranças. até que enjoaram de tanta certeza, pensaram ter descoberto a liberdade e decidiram terminar. o samba continuou como sempre: às vezes os olhares se cruzavam e otaviano deixava a chave do bar com o amigo; às vezes telma saia de mãos dadas com o cara do pandeiro e as vezes uma mulher bonita chegava chorando no balcão de otaviano. tudo continuava do mesmo jeito, agora, porém, além do cheiro de cerveja, suor, fritura e cachaça, além do som das batidas, dos copos brindando e das vozes altas, qualquer um que passava na frente do bar de otaviano ouvia no som do pandeiro (ta tudo muito bom, ta tudo muito bom, ta tudo muito bom) a liberdade e a leveza. mas a liberdade não vinha das sensações rasas e momentâneas que por alí sempre aconteceram; vinha da sensação de felicidade de sambar sem se preocupar com os olhares antes pesados; vinha da vontade saciada; vinha como a sensação de beber um copo de água depois de passar muita sede; vinha como um alívio. é claro que tempos depois tudo ficou muito leve e o peso fez falta, etc.
agora imagine o infinito.

3 comentários:

  1. o engraçado é que, pra mim, o fim pareceu tão prisão quanto o início, só que de modos diferentes, rs....

    é que pra mim, essa liberdade de viver os momentos sempre foi meio ilusória. deixa só vir mais uns meses dessa liberdade aí, rs... caos!

    mas muito bem escrito, chuchu! gosto de ler os textos desse jeito novo que eu não conhecia.

    beijos!

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  2. belezura, a mudança enriqueceu ainda mais o texto de sentidos :) gostei muito, chuchu!

    beijos!

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